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Limites: Por que Tê-los?

Por Solano Portela.

Não, não e não!!! Essa foi a chamada aos leitores, com letras vermelhas garrafais, colocada numa capa da revista semanal brasileira de maior circulação. Com menos de quatro meses de intervalo, dois artigos dessa revista – um de capa – foram escritos com inúmeros depoimentos de especialistas, sobre a necessidade de imposição de limites, não somente na educação de filhos, da parte dos pais, como na sociedade como um todo. Num dos textos, salienta-se que um dos livros mais vendidos internacionalmente tem como título: Dizer Não“,”Por que isso é importante para você e seu filho”. Numa era em que temos nos acostumado a ler a defesa total da ausência de limites, essa ênfase chega a surpreender. Será que descobrimos uma nova metodologia de educação e controle?

O reencontro deste princípio, conforme os artigos, “é o assunto do momento entre especialistas em educação no mundo inteiro”. Pais bem-intencionados estão descobrindo que não basta apenas amar e explicar e orientar. É preciso “dizer não“. 

Nas últimas três décadas, muitas escolas encontraram-se na situação de serem obrigadas a criar “serviços especiais para atendimento de alunos com problemas de disciplina e falta de parâmetros de comportamento”. Instituições de ensino que se consideravam “modernas”  e “liberais” por terem abolido as regras e as exigências, que acreditavam ser anti-educativas e repressoras, observam agora que os alunos não estão “cooperando”. Deixados a seguirem a sua própria vontade, tornam-se adultos sem as habilidades acadêmicas, artísticas e sociais que as escolas pretendem lhes proporcionar num ambiente livre, amoroso e descontraído. Muitos nem chegam a se formar e os que recebem o diploma, frequentemente, são mais iletrados e mais inseguros emocionalmente do que seus pais. 

A consequência dessa verificação prática está sendo o retorno dos conceitos de “infração” e “punição” e as tão desdenhadas e abominadas “proibições“.

  • Não cabulem as aulas.
  • Não fume nas dependências escolares.
  • Não fique ouvindo música nas aulas.
  • Não desrespeite o professor.
  • Não chegue à classe sem ter feito o dever.
  • Não use roupas que estão “fora dos parâmetros estabelecidos”…

Nesse sentido, coloca um dos artigos, os pais são orientados a reforçar as proibições escolares e a criarem os seus próprios limites:

  • Não fique acordado a noite toda.
  • Não quero saber de você participando de tal atividade em tal lugar…
  • Não fique grudado na Internet por … horas em seguida.
  • Não infernize a vida dos seus familiares com o volume da sua música, com seu desrespeito, com sua falta de higiene…

Surpreendentemente, discute-se agora “quando” e “como” se deve usar a palavra “não”, e não se ela deve fazer parte do vocabulário educativo tanto no lar quanto na escola. Isso se aplica igualmente a muitas outras palavras que na era atual já estavam descartadas, abominadas e vituperadas. Esses artigos enfatizam que proibições, orientações e incentivos novamente devem conviver “lado a lado” complementando-se.  Um dos especialistas citados diz, “É preciso ser sempre muito claro e até intransigente quanto às regras e condutas que devem ser seguidas”.

Não, não e não!!! Será que já não ouvimos isto antes? Há milênios atrás, houve um outro pai, o Pai Supremo, que resumiu a sua vontade para o comportamento dos seus filhos com uma “imposição de limites” bem clara.

Não, não e não!!!Não terás outros deuses diante de mim… Não matarás…. Não adulterarás…. Não furtarás… Não dirás falso testemunho… Não …. Referimo-nos aos Dez Mandamentos dados a Moisés e ao povo de Deus e repetidos em muitas ocasiões e em diversas maneiras durante os séculos seguintes.

Na esfera pessoal, a natureza humana pecaminosa nunca aceitou de bom grado esses limites. Na esfera social, as sociedades constituídas sempre apresentaram tendências de irem desviando os seus limites éticos e de controle desses referenciais traçados por Deus. Mas o ataque aos limites talvez nunca tenha sido tão intensos quanto na última metade do século XX, quando o humanismo desenfreado encampou as grandes correntes filosóficas e políticas, e a cultura popular foi sendo liderada cada vez mais para longe desses princípios estabelecidos na Palavra de Deus. Um filósofo e psicólogo contemporâneo disse: “… a noção de que existe uma verdade absoluta gravada nos céus eternos, como ensinaram a muitos de nós, não é apenas uma falsidade, mas também uma ameaça ao desenvolvimento humano”. Na realidade, esse conceito, esse afastamento de Deus e de seus princípios é a verdadeira ameaça ao desenvolvimento harmônico das pessoas e da sociedade.

O mundo cristão deveria ser o guardião das verdades divinas, proclamando ao mundo e às sociedades decadentes os limites e a justiça de Deus, entretanto, vem sucumbindo a forma de pensar que minam a visão bíblica da Lei de Deus. A fé cristã já se encontrava sob grandes ataques internos desde o século 18, com o surgimento do liberalismo, gerado nos grandes centros acadêmicos cristãos da Europa. Com um racionalismo questionador da veracidade da Revelação Divina, na Bíblia, o liberalismo procurava, em essência, criar uma teologia e uma prática religiosa na qual o sobrenatural, nas Escrituras e na mensagem, fosse secundário ou, até, totalmente desnecessário. Esse ataque precedeu desvios, talvez até mais sérios – pela sua sutileza – encontrados mais tarde dentro do campo conservador. O novo ataque começou no final do século 19 e no século 20, gerando também desprezo pela Lei de Deus. Tivemos a formação de várias correntes teológicas que foram se distanciando da teologia reformada e da sua ênfase na unidade do plano soberano de Deus, contida no Antigo e no Novo Testamento. Isso ocorreu no seio dos que eram, supostamente, “teologicamente conservadores”.

Talvez muitos evangélicos contemporâneos não se apercebam disso, mas entre as correntes teológicas que passaram a fragmentar erroneamente a Palavra de Deus, destaca-se o dispensacionalismo. Esse método teológico foi, desde o início, marcado pela sua rejeição do conceito de uma Igreja formada pelo Povo de Deus redimido, em todas as eras; pela sua distinção de vários “processos” de salvação, ao longo da história; e pela sua divisão confusa entre lei e graça, retirando toda a validade da Lei de Deus ao presente e colocando os crentes sob diretrizes totalmente subjetivas e fluidas. Infelizmente, o dispensacionalismo veio a servir de base e alicerce a grande parte do evangelicalismo em todo o século 20, até os dias de hoje.

Nesse campo fértil dispensacionalista, desenvolveu-se também o movimento carismático. Abraçando o subjetivismo e o misticismo em sua teologia, rejeitando as âncoras e limites criados por Deus, os evangélicos foram, portanto, presa fácil dos pensamentos humanistas contemporâneos. Juntamente com os filósofos, psicólogos, pedagogos e outros especialistas da última metade do Século 20, muitos cristãos também sentiram-se traumatizados com o “negativismo” da Lei Moral de Deus.

Num mundo pós-moderno e pluralista, dizia-se, ninguém mais tinha o direito de impor certas diretrizes. Os “parâmetros de comportamento” se tornaram relativos. “A sua verdade pode não ser a minha verdade”. “O que é certo para você, não é necessariamente certo para mim”. “A vida é minha, você não tem o direito de mandar em mim”.  Muitos ficaram achando que o nosso Pai celestial devia estar ainda  “meio por fora” na época em que registrou a Sua Lei. Talvez Ele ainda estivesse aprendendo a lidar da maneira certa com seus filhos. Foi firmando-se o conceito de que Jesus, por outro lado, já sabia explicar bem melhor o que Deus tinha em mente. Não tínhamos muito mesmo que recorrer ao Antigo Testamento, pois estávamos na dispensação da graça e do amor. Conforme anunciava uma célebre canção dos Beatles – tudo que você precisa é o amor… E os evangélicos, desprezando as bases dos limites divinos e a visão global da justiça de Deus,  passaram a ecoar somente essa mensagem.

Essa passou a ser a tônica do ensinamento nos anos 60 e 70. “Ficou-se sabendo que amor e só amor, era a formula infalível para que uma criança crescesse feliz e emocionalmente estável.” Parecia encaixar direitinho com os ensinamentos de Jesus. E lá fomos nós, reescrevendo o “espírito” da lei moral de Deus e tirando os “negativos”. Falamos de “direitos humanos”  e “respeito” mas passamos mais tempo ensinando como assegurá-los para si mesmo do que como ser instrumento deles. Os outros é que tinham as obrigações, nós é que tínhamos os direitos.

Os crentes ficaram tão empolgados com os conceitos dos especialistas do mundo que também pararam de dizer “não” aos filhos com medo de serem denominados “caretas”, “intolerantes”, “repressores”, “ditatoriais”… A única coisa que era proibido era “proibir”. Era proibido dizer não. A tarefa dos pais era apenas a de orientar, esclarecer e AMAR. O resultado seria garantido. Logo começamos a desconfiar que era “quase garantido”. Depois vimos que havia-se perdido a base tanto do comportamento e da ética pessoal, como dos limites impostos por Deus à sociedade.

Os crentes, agora, são envergonhados quando descrentes chegam a conclusões que eles já deviam saber há muito e deviam estar proclamando em alto e bom som: Não, não e não!!! Mas, juntamente com a vergonha, devem ter a percepção de que os descrentes tateiam, no escuro, pressionados pelas repetidas falhas de suas filosofias. Não possuem a base para suas conclusões. Por exemplo, um outro artigo, de uma revista internacional de grande importância, intitulado “Distinguindo o Certo do Errado”, comentando a onda de assassinatos infantis e juvenis nas escolas norte americanas, diz que “os administradores das instituições e os pais, em todos os lugares, estão discutindo como fazer com que uma criança saiba, em sua mente e sinta em seu coração que a mentira, o roubo, a cola, o ferir alguém e – especialmente – o assassinato, são ações moralmente erradas”. Mas o que é realmente errado? Como os descrentes vão poder definir o moralmente errado? É aquilo que é aceitável socialmente? É aquilo que me faz feliz? O artigo fala de consciência, culpa, vergonha, desenvolvimento moral, raciocínio moral, mas todos esses temas só fazem sentido quando relacionados com a Lei Moral de Deus.

Não, não e não!!! Não significa desprezo ao amor, mas a compreensão correta de que o amor significa a aplicação desses limites e o respeito por Deus e pelo próximo. Depois da sua última ceia, Jesus teve uma conversa muito especial com seus discípulos, registrada em grandes detalhes no evangelho de João, o “apóstolo do amor”. O relato de João (capítulos 13-17), se encerra com a oração sacerdotal de Jesus na qual ele orou não apenas pelos discípulos que estavam presentes, mas também por aqueles que viriam a crer nele” entre os quais se encontram, esperamos, aqueles que agora pegam este livro para ler. Como vamos ver, a compreensão dos limites significa a maior demonstração possível de amor. Se amamos, cumprimos mandamentos.

No Evangelho de João, 17.17-26, lemos, “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade… a fim de que todos sejam um…: a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade…; a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles esteja… para que o mundo creia que tu me enviaste…” O nosso Senhor Jesus pede por aperfeiçoamento na união e a presença visível do amor. União e amor. Esse é o sonho de todos os seres humanos. Esse sonho é preenchido somente pela mão poderosa de Deus, quando ele nos resgata da lama do pecado e nos dá uma nova vida e nova visão através de Cristo Jesus.

Os limites das Escrituras devem ser conhecidos e proclamados pelos crentes. Não podemos mais ignorar a Lei Moral de Deus, sob pena de enterrarmos nossa vida e de fragmentarmos mais a nossa sociedade. Ser sal da terra e luz do mundo envolve não somente o viver corretamente, mas a convicção extraída da bíblia de que a Lei  Moral de Deus é para nós, para a nossa era, para HOJE. Oramos para que Deus ilumine o nosso entendimento fazendo-nos prezar, em ações de graças, a preciosidade da Lei Moral de Deus.